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Escrevendo um bom relatório

voltar Por: Everton Vasconcelos, publicado em 29/06/2013

Como fazer um relatório?

Muito já se falou sobre a comunicação desde que o homem passou a ocupar nosso planeta. Enquanto ser gregário o homem sempre buscou formas de interagir com outros integrantes de sua espécie. O feito mais notável que ele foi capaz de desenvolver foi adaptar o sistema respiratório à fala, permitindo emitir sons que, com o passar do tempo, foram ganhando significados. É interessante notar que o homem não se valeu somente dos sons para se comunicar. Muitas pesquisas arqueológicas descobriram diversas cavernas onde nossos ancestrais desenhavam nas paredes seus feitos diários, o que caçaram ou algo que lhes tenha chamado a atenção durante o dia. Desenhar sinais é uma outra forma de se comunicar.

Comunicar-se hoje não é das tarefas mais complicadas, temos celulares, telefones, internet, IPADs e toda sorte de equipamentos que fazem o distante estar bem mais próximo do que se possa imaginar. Nem sempre a vida foi tão fácil assim. Nos primórdios do Brasil existia um profissional responsável por comunicar as decisões tomadas pelo governo. Era o pregoeiro, que subia numa plataforma numa praça ou local de grande concentração popular, chamando a atenção de todos os passantes para ouvi-lo ler algum documento de interesse geral.

Muito diferente do que muitos pensam, o Brasil teve uma guerra de independência, alguns combates que duraram em torno de dois anos. Um fato curioso aconteceu na Batalha de Pirajá (Bahia), em 08 de novembro de 1822. Um comandante de uma tropa brasileira, assustado ao perceber que o número de soldados portugueses era muito maior do que o número de brasileiros, decidiu fazer a retirada, comunicando seu corneteiro esta intenção. Este que se chamava João Lopes, não se sabe se de propósito ou por estar também assustado tocou “cavalaria, avançar e degolar” em vez do “retirada”. Os portugueses se assustaram e fugiram o que ajudou a vitória da tropa brasileira. O detalhe mais importante: não havia nenhum integrante de cavalaria nesta batalha.

Como se pôde ver a comunicação esta presente na vida do homem desde seus primeiros momentos na Terra. Comunicar-se bem é fator preponderante para que nossos pares possam entender nossas ideias e até mesmo tomarem-nas para si. E como deve estar comunicação no mundo corporativo? Pode ser de diversas formas, mas nos ateremos na forma escrita, que deverá ser bem clara e crível. No mundo corporativo, como em qualquer área da vida, clareza e credibilidade são tudo. Uma informação passada sem fundamentos, ou não estar bem explicada, pode levar a decisões equivocadas. Para mitigar este risco somente conhecendo bem sobre o que se vai relatar. Não existe uma “receita de bolo” para coletar dados, tratá-los, colocá-los no papel como informação gerando, então, relatórios. É isso que veremos adiante.

Coesão e coerência

Termos parecidos, mas trazem ideias bem diferentes. Um texto bem escrito precisa ser coeso e conciso. O termo coesão designa harmonia entre os itens que compõem o discurso, isto é, os elementos gramaticais envolvidos na escrita precisam estar entrelaçados se assim podemos dizer. Os garoto subiu num laje antisdionti. Se alguém ouvir esta frase ou até mesmo lê-la vai entender perfeitamente o que quis dizer quem a proferiu. No entanto, a frase não é coesa, não vemos a perfeita harmonia gramatical entre os termos. Observe que o artigo “os” não combina em número com o substantivo “garoto”, laje é um substantivo feminino deve vir acompanhado de um artigo feminino que seria numa e não “num”. Cuidados como estes devem ser tomados ao escrever um relatório para qualquer fim. Um texto bem escrito vai combinar estes fatores gramaticais com fatores lógicos também. Agora falamos sobre coerência, que podemos entender como um entrelaçamento lógico, isto é, dar um sentido claro ao que se está escrevendo. “As cobras não podem voar porque minha mãe falou que o programa do Faustão é completamente lunático, pois o Lula assim quis”. Aposto que você não entendeu nada, ninguém entenderia, pois o texto apesar de estar coeso, não está nada coerente, afinal o que tem a ver cobras, Fausto Silva e o Lula? Naquele contexto, nada. No texto coerente não existem fatores que nos fazem ter dúvidas ou não entender nada do que foi escrito. Portanto, um texto pode não ser coeso, mas ser coerente, como pode estar coerente e nada coeso. Quem vai escrever um relatório deve saber dosar estes dois termos. Iniciando, então, qualquer relatório deve se conhecer primeiro sobre o que se vai relatar. Daí serão traçadas as ideias coesas – respeitando a gramática – e coerentes – seguindo uma sequência lógica.

Cadê o objeto?

Já vimos que o texto deve ser coeso e coerente, mas as coisas não param por aí. Não adianta termos a habilidade de escrever se não conhecemos sobre o que vamos escrever. É importante reunirmos a maior quantidade possível de dados para entendermos melhor o assunto que vamos tratar. Podemos entender dados como elementos pesquisados que não tiveram nenhum tratamento. Um dado não traz consigo nada que possa fazer com que outras pessoas possam entendê-lo. É como se pegássemos uma planilha e sorteássemos um número qualquer, digamos o número 13. Se não tivermos outros dados ou indicativos para avaliar o que é este número, ele representará somente o numeral 13. Caso possuíssemos outros subsídios poderíamos trata-lo e descobrir que ele representa a quantidade de filiais que bateram a meta num dado período. Agora o numeral 13 não é apenas um dado, um símbolo marcado numa planilha, ele se tornou uma informação.

No mundo corporativo, podemos ter as demonstrações financeiras como o objeto de um relatório. Por si só as demonstrações já contém um gama de informações que, por mais clara que estejam, para um leigo não vai significar muita coisa. Aí é que vem a importância do relatório, que será uma espécie de tradutor daquelas informações para pessoas que não entendam de contabilidade, por exemplo. Se fôssemos criar um cronograma de trabalho para confeccionar um relatório, deveríamos dedicar um tempo considerável para entender as demonstrações contábeis, usando o exemplo já mencionado. É preciso entender as inter-relações entre os itens que compõem o balanço patrimonial e outras demonstrações. Ao observarmos o valor das vendas na DRE podemos traçar um paralelo entre as contas a receber e o caixa da companhia. O valor das vendas aumentou de um ano para o outro, qual foi o reflexo naquelas outras contas? Aumentaram? Tivemos aumentos na inadimplência? O objeto é que norteará tudo o que for escrito a partir de então.

Técnicas de redação

Escrever é uma arte, para alguns é um dom. No entanto, vamos partir do princípio que escrever é uma arte que todos podem ter acesso. Mesmo se a arte de escrever for dominada, é preciso saber como escrever um relatório. Três são os pontos importantes para se escrever um texto fácil de ser entendido: uma introdução, desenvolvimento e o desfecho; são as mesmas características de uma redação.

Um outro item que exerce bastante importância no texto é o tópico frasal, que introduz a ideia principal a ser tratada no parágrafo. Um parágrafo bem escrito tem sua ideia já retratada na primeira oração dele. Veja um exemplo de como abordar o crescimento do lucro líquido do exercício:

Há um aumento significativo no lucro líquido do exercício entre os anos de 2011 e 2012. Analisando mais profundamente a demonstração do resultado do exercício, observamos um aumento de 13% nas vendas brutas da companhia no estado de São Paulo, devido à abertura de mais três filiais no interior daquele estado.

O autor usou logo a primeira frase para demonstrar ao leitor sobre o que vai tratar todo o parágrafo. A leitura do tópico frasal pode ser de utilidade para a leitura dinâmica, pois quem ler somente a primeira frase vai entender que houve um aumento no lucro líquido do exercício.

Voltando a falar sobre as subdivisões de um texto, é na introdução onde se apresenta o tema que será abordado, é o chamariz que despertará no leitor a vontade de ler o restante do texto. É aqui que vai se definir se a leitura vai continuar ou vai parar. Todo o cuidado com coesão e coerência neste ponto é pouco. Diretores e integrantes do alto escalão de uma empresa não possuem muito tempo, por isso os textos devem ser interessantes, senão o caminho será a cesta de lixo. Portanto, seja objetivo neste parágrafo, evite iniciar com expressões do tipo “por meio deste documento resolvemos relatar o ocorrido no...”, não agrega nada ao que será lido. Importante é ser mais prático e objetivo: “nossa companhia no último mês implementou uma série de medidas visando a melhorar o desempenho das vendas. Estas medidas contaram com o apoio dos gerentes das filiais fluminenses...”.

O que foi apresentado no parágrafo de introdução será relatado nos parágrafos de desenvolvimento. A estrutura é semelhante ao do parágrafo introdutório, comece com um tópico frasal apontando qual será a ideia central abordada. Coerência e coesão devem estar presentes sempre! No parágrafo anterior exibimos um exemplo em que a companhia havia iniciado medidas para aumentar as vendas, o tema do relatório foi apresentado. Agora é hora de discorrer sobre ele: como ele ocorreu? Foi efetivo? Outras áreas apoiaram? Como era o faturamento de antes e como ficou agora? O aumento nas vendas foi o esperado? Muitas perguntas para serem respondidas! Certamente, na mente de quem está elaborando o relatório começaram uma série de perguntas e dúvidas, é uma verdadeira tempestade de ideias. Ficou confuso? Coloque todas elas num papel, como no exemplo:

  • Organização das vendas;
  • Áreas que apoiaram;
  • Faturamento do último período sem as medidas;
  • Faturamento após as medidas.
  • Agora o trabalho é entrelaçar estas ideias. Suponhamos que as medidas tomadas tenham aumentado as vendas daquela companhia, o parágrafo de desenvolvimento poderia ser assim escrito:

    “Após decisão da diretoria, foi formada uma força-tarefa que analisou uma série de fatores de nossa estrutura visando a permitir conhecer melhor a cadeia de distribuição de nossos produtos, bem como os custos envolvidos. Após análise, observou-se que uma das unidades de distribuição não estava sendo utilizada da forma desejada, o que permitiu a companhia desativá-la, gerando uma economia na ordem de $ 2 milhões, 15% dos custos operacionais. Esta economia gerou um aumento em nosso faturamento na ordem de 5%, saindo de $ 380 milhões em 2011 para quase $ 400 milhões, em 2012”.

    Dicas: como estará relatando fatos já ocorridos, prefira usar os verbos no tempo passado. Sempre que for possível use valores em sua forma numeral mesmo Use mais do que duas casas decimais somente se trabalhar com dados que precisam de grande precisão como líquidos, medidas de comprimento etc. Não existe uma quantidade máxima de parágrafos de desenvolvimento, pelo menos um existirá obrigatoriamente.

    Por fim, temos o parágrafo de conclusão, o grand finale do texto. O último parágrafo faz a “amarração” de tudo que foi abordado nos parágrafos de desenvolvimento, dando um desfecho a tudo que foi escrito. Mais uma vez usaremos o tópico frasal para apresentar as conclusões observadas e apresentar passos que serão dados a partir dali. Exemplo de como poderia ser o parágrafo, baseando-nos no que já foi descrito nos últimos parágrafos deste texto:

    “O resultado obtido com as medidas implementadas superou todas as expectativas. Inicialmente, segundo análise do setor responsável, as vendas cresceriam 3% em 2012, meta que foi superada em dois pontos percentuais. Se o cenário econômico permanecer o mesmo – veja que neste caso, não estamos relatando eventos passados – a tendência é que as vendas mantenham o percentual encontrado em 2012. Estudaremos outras medidas para melhorar o desempenho das vendas no interior do Brasil mesmo sendo de conhecimento que elas estão dentro dos valores já orçados.”

    Só vale o texto?

    Com os recursos tecnológicos cada vez mais modernos, escrever um relatório hoje em dia é uma tarefa que pode se valer de gráficos para ilustrar as informações. Por muitas vezes um gráfico traz explicações mais fáceis de serem entendidas. Lembre-se que diretores e gerentes podem não ter muito tempo e um gráfico de vendas, por exemplo, pode responder qual filial foi campeã de vendas, qual setor (centro de custo) obteve as maiores reduções nas despesas administrativas, qual item do balanço patrimonial tem maior participação do total dele. No entanto, é importante não misturar muito os tipos de gráficos, pois alguns deles podem não ser tão claros para certos tipos de informação. Normalmente, os tipos de gráficos mais usados são o de pizza, o de linhas e o de colunas. Gráficos que usam medidas de dispersão ou de calor têm usos mais específicos.

    Um outro fator que merece atenção no que concerne a utilização de gráficos é o uso das cores. Cores muito fortes podem tirar a atenção do que realmente é para chamar a atenção. É mais interessante usar tons pastéis e manter o padrão em todos os gráficos usados.

    O que evitar?

    Existem alguns detalhes que precisam ser evitados num relatório bem escrito. A primeira delas é o verbo aparecer conjugado na primeira pessoa do singular. Assim, é importante evitar construções do tipo “eu acho”, “eu fiz”, “eu calculei”, isso deixa o texto meio “umbiguista”, algo que não vai parecer bom ao olhar dos superiores. A preferência é pelo verbo na terceira pessoa do plural ou na terceira pessoa do singular. Desta forma, o aconselhável é usar “concluímos que as vendas cresceram porque...” ou “conclui-se que o aumento no percentual de vendas se deveu a...”.

    Como o relatório é um texto oficial é importante usarmos o melhor do vernáculo. Não é para usarmos palavras rebuscadas, de pouco uso, nem se valer de gírias. Com uma presença cada vez mais latente de termos usados na internet na vida cotidiana, é também importante termos cuidado em utilizá-los em textos oficiais. É muito comum o uso de abreviações no internetês que devem ser evitadas no texto desde que não fiquem bem explicadas dentro de um contexto. Se o nome do presidente da companhia é Carlos Ulstra, não fica de bom usar as iniciais do nome para fazer referência a ele. A preferência deve ser sempre por usar os nomes por extenso. Deve ser evitar o uso de estrangeirismos misturados com o português.

    Veja um exemplo de análise de informações e comentários sobre as demonstrações do Grupo Pão de Açúcar.


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    Sobre o autor Everton Vasconcelos Everton Santos Vasconcelos é contador formado pela Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ (FACC - UFRJ), pós-graduando da FGV na área de Gestão Financeira com ênfase em Auditoria e Controladoria. Além disso, desenvolve pesquisa na área de Custos, Finanças Pessoais e Gestão Empresarial. É idealizador do ContabilBR.com.

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